Por cima das entidades sindicais, o atual presidente da Petrobrás, Pedro Parente, divulgou na última segunda-feira, 29, carta aos petroleiros e petroleiras em que manifesta o desejo de “conversar” sobre “as negociações do ‘nosso’ acordo coletivo de trabalho”. Empenhado em demonstrar o alinhamento da direção da empresa com as ideias ali apresentadas, Parente informa, de saída, que a carta da semana “foi elaborada por toda a diretoria” e que “seguirá assinada por todos”.

Logo em seguida, em tom novidadeiro, a missiva anuncia que “as negociações do ACT 2016 começam sob novo comando na área de Recursos Humanos”. Doravante, o nome que tentará vender o peixe da direção da empresa na campanha salarial que se inicia é o do ex-gerente geral da Unidade de Exploração e Produção do Espírito Santo, José Luiz Marcusso. Segundo Parente, o executivo terá a incumbência de “mostrar a situação por que passa a companhia e como poderemos, como força de trabalho, acelerar a recuperação da Petrobras”.

Na iminência da deflagração da campanha salarial, com a entrega da proposta de Termo Aditivo ao ACT 2015/17 agendada pela Federação Única dos Petroleiros para esta quinta-feira, 1º/09, Pedro Parente aproveita o comunicado para revelar sua benevolência democrática. Diz que “a proposta será devidamente analisada”, mas já adianta ponderações. Dentre as quais, a de que, em julho, segundo a Fipe, “várias negociações tiveram reajustes abaixo do INPC”, e que, “na indústria do petróleo, a mediana dos últimos 12 meses foi de 3,9% abaixo da inflação”.

Ainda na cartinha, no capítulo das justificativas em defesa do arrocho salarial, o ex-chefe de gabinete de FHC, guindado por Temer ao comando da Petrobrás, cita o crescimento da dívida da companhia. “De 2008 a 2015 – diz ele, a dívida da nossa empresa subiu de US$ 27 bilhões para US$ 126 bilhões, ou seja, um acréscimo superior a 400%”. Em nenhum momento, porém, Parente esclarece que 2008 foi o ano em que a Petrobrás extraiu pela primeira vez petróleo do Pré-sal.

Mais adiante, omitindo por completo qualquer referência ao esforço técnico e financeiro realizado pela Petrobrás, tanto para descobrir quanto para explorar e produzir no Pré-sal em tempo recorde, o ministro do Apagão acusado de gerar prejuízos de mais de US$ 1 bilhão à companhia [1], sentencia: “Teremos que fazer um esforço hercúleo para, por meio de parcerias e desinvestimentos, mantermos o nível de investimento adequado para não colocar em risco a nossa produção futura”.

Narrativa

Depois de discorrer sobre geração de caixa, grau de investimento e pagamento de juros, Pedro Parente trata de fazer um esclarecimento. Afirma que os dados apresentados na carta “não são uma forma disfarçada de dizer a vocês que a Petrobras não conseguirá conceder reajustes acima da inflação este ano”. E, por não serem (uma forma disfarçada de dizer), completa-se o sofisma: os dados´, segundo Parente, “representam a realidade”.

Assim, construída a verdade inquestionável dos sonhos dos negociadores da Petrobrás, o presidente-redator pode ser mais claro. Além de representarem a realidade, os dados por ele apresentados “são a maneira mais honesta (…) de dizer que a situação da empresa não nos permitirá levar adiante a mesma política de reajustes salariais que vigorou até então”.

Dessa forma, disseminando a narrativa do caos, que coloca a Petrobrás à beira da falência, Pedro Parente prossegue avançando em sua “conversa” sobre “as negociações do ‘nosso’ acordo coletivo”. Em sua lamúria, quase provocando remorso, chega a dizer que “nos 12 anos anteriores a 2015, a diretoria da Petrobras concedeu expressivos aumentos reais de salários e benefícios”.

Por outro lado, com a faca nos dentes, defende entendimentos para a “redução opcional da jornada de trabalho, com redução equivalente de remuneração”; a revisão do “benefício farmácia” e das “despesas com horas extras”; e admite que estão sendo debatidos internamente temas relacionados com “avanços de níveis” e “pagamento de participação nos lucros”.

Por fim, considerando que “as negociações do ACT 2016 exigirão uma profunda compreensão do que vive a Petrobrás”, Pedro Parente compromete-se com a disponibilização de “instrumentos inovadores de comunicação”, que nos permitirão “julgar, comparar, avaliar e concluir”, por nós mesmos, “o momento que vivemos”, não sem antes posicionar-se sobre uma eventual greve.

Como a cobra que morde o próprio rabo, Parente afirma que o exercício do direito de greve é um direito consagrado na Constituição, mas “não é o caminho mais construtivo para buscarmos as soluções que vão acelerar o processo de recuperação da Petrobrás”.

Estratégia

Para prosperar, a narrativa neoliberal depende em grande medida da consciência que a classe trabalhadora tem de si mesma (somos um conjunto com necessidades e anseios comuns ou um amontoado de individualidades que rivalizam entre si?). Por isso, as singelas assinaturas firmadas apenas com o primeiro nome (Pedro, Hugo, Ivan, João, Jorge, Nelson, Roberto e Solange), ao final do comunicado de 29/08, não chegam a estranhar.

As cartinhas semanais e os “instrumentos inovadores de comunicação” anunciados, que nos permitirão “julgar, comparar, avaliar e concluir”, por nós mesmos, integram uma estratégia com o claro propósito de passar por cima das entidades sindicais, buscando estabelecer uma comunicação de aparência mais direta e pessoal com os trabalhadores e trabalhadoras.

Assim, desestimulando o debate coletivo e individualizando o processo de reflexão sobre “o momento que vivemos”, a Direção da Petrobrás pretende impor a narrativa neoliberal, desmobilizando a categoria para o embate por valorização profissional e condições dignas de trabalho que terá continuidade na atual campanha reivindicatória.

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[1] Durante o governo FHC, Pedro Parente coordenou o chamado “Ministério do Apagão”: um grupo responsável por administrar a crise de energia elétrica, resultado da falta de planejamento, falta de investimentos e da privatização do setor. Nesta condição, Parente fez a Petrobrás assinar contratos de parceria com o setor privado para construção de usinas termoelétricas, garantindo a remuneração dos investidores, mesmo que as empresas não dessem lucro. A chamada “contribuição de contingência” gerou prejuízos de mais de US$ 1 bilhão à Petrobrás, que se viu obrigada a assumir integralmente as termoelétricas para evitar perdas maiores.