Por Gilson Sá e Jana Sá
70 anos de vida. Esta é a idade da Petrobras, uma das mais importantes e estratégicas empresas para a economia, a cultura e o desenvolvimento do Estado Rio Grande do Norte e um ícone global na indústria de energia. O mesmo tempo de existência de Vicente Pontes, 70 anos, engenheiro aposentado que dedicou quase quatro décadas de sua vida à empresa. Ele atuou nos estados de Alagoas, Ceará, Bahia, Sergipe, mas ofereceu a maior parte da sua carreira, 24 anos, ao Rio Grande do Norte.
No ano em que nasceu Vicente, o presidente Getúlio Vargas assinava a Lei nº 2004, criando a Petrobras. Era a resposta à mobilização da sociedade civil organizada que encampou a campanha “O petróleo é nosso“. De controle e propriedade totalmente nacionais, com participação majoritária da União, a Petrobras surgia detendo o monopólio da exploração de todas as etapas da indústria petrolífera, com exceção da distribuição.
Até o ingresso de Vicente Pontes na Petrobras, a empresa passou por importantes transformações. Em 1954, teve concluída a sua implantação. Com o início das operações, são incorporadas ao patrimônio da companhia as refinarias de Mataripe, construída em 1949, em São Francisco do Conde (BA); a Refinaria Presidente Bernardes, projetada em 1952 e inaugurada em 1955, em Cubatão (SP); e a Frota Nacional de Petroleiros.
Em 1958 é lançado o primeiro logotipo da empresa, relacionando a marca às cores e formas da bandeira nacional, num reflexo do nacionalismo da época. No ano de 1961, era criada a primeira refinaria: a Reduc (Refinaria de Duque de Caxias). Com ela, o Brasil alcança a autossuficiência na produção dos principais derivados. Ainda hoje, a Reduc é a mais completa refinaria do sistema Petrobras.
No ano em que Vicente começava a se preparar para prestar o vestibular para engenharia mecânica, a Petrobras fazia a descoberta do primeiro campo de petróleo na plataforma continental brasileira, no mar de Sergipe, em 1969, dando origem ao campo de Guaricema.
Na década de 1970, a Petrobras deu início à expansão de suas operações internacionalmente com a criação da Petrobras Internacional – Braspetro, buscando novos parceiros e contratos de exploração em países como Argélia e Líbia.
Para suprir o abastecimento do país, a Petrobras vai buscar petróleo no mar. Os esforços culminaram na descoberta da Bacia de Campos – situada entre a costa norte do estado do Rio de Janeiro e o sul de Espírito Santo. Ela se tornou a maior província petrolífera do Brasil, responsável por mais de 80% da produção nacional do petróleo em águas profundas.
O período de expansão das atividades da estatal coincide com a jornada de Vicente no curso de Engenharia da Universidade Federal do Ceará (UFC) e, em seguida, na Universidade Federal da Bahia (UFBA), onde também realizou um curso de especialização em engenharia de manutenção.
Com amigos do curso da PETROBRAS/CEMANT/1977, da direita pra esquerda Paulão, Vicente Pontes, Carlinhos, Cavaco, Wellington, Jackson e e Lúcio.
Pontes ingressou na Petrobras em 1977, através de um concurso destinado aos estudantes de engenharia mecânica de todo o Brasil. Exato dois anos depois que o Brasil lançou o Programa Nacional do Álcool, o Pró-Álcool. O programa teve um grande impacto na matriz de combustíveis do país.
Para Vicente e seus colegas de turma, a aprovação no concurso da Petrobras foi motivo de muita comemoração.
“Das 24 vagas oferecidas para todo o país, 18 nomes eram da minha turma”
Vicente e a esposa Izabel Marques Pinheiro
No entanto, essa nova etapa de sua vida foi de muitos desafios. Vicente precisou deixar sua esposa e filha no Ceará, enquanto embarcava na Bahia.
“Não foi uma decisão fácil”
Vicente ingressou na empresa como bolsista. O valor que recebia era menor que um salário-mínimo. Mas para ele, essa oportunidade significou muito mais do que um emprego, era a chance de fazer parte de uma grande empresa nacional.
Uma carreira de crescimento
Vicente dedicou 38 anos de sua vida à Petrobras, começando na área de manutenção, onde trabalhou em equipamentos de sondas e estações de produção nas regiões de Carmópolis, Riachuelo e Siriri, no estado de Sergipe.
“Para mim, profissionalmente, foi um crescimento muito grande”
Com o tempo, Pontes ascendeu na empresa, tornando-se gerente e liderando 40 equipes diferentes em várias áreas da empresa, desde transporte e logística até engenharia e contratação.
“A Petrobras me deu um conhecimento muito grande”.
Para Vicente, a Petrobras também foi uma grande incentivadora na sua formação. Ele se envolveu em diversos cursos e enfrentou desafios técnicos e logísticos, o que o levou a crescer não apenas como engenheiro, mas como uma pessoa com uma visão mais ampla do mundo.
“Cresci tanto tecnicamente como humanamente”
Desde a criação do Centro de Aperfeiçoamento e Pesquisas de Petróleo – Cenap, em 1955, a Petrobras tinha o objetivo de formar especialistas e desenvolver pesquisas na área de exploração de petróleo.
Transformando o Rio Grande do Norte
No Rio Grande do Norte, a chegada da Petrobras teve um impacto transformador. A primeira perfuração no estado é datada de 1956, na região da Gangorra, município de Grossos. O resultado dos estudos revelou a presença de petróleo e gás natural, mas a extração foi considerada inviável na época.
A virada ocorreu em 1973, quando a Petrobras identificou petróleo em águas rasas, nos municípios de Macau e Guamaré. Em 1975, o primeiro poço de petróleo do estado foi colocado em operação. A partir desse marco, começaram também as perfurações de poços em Mossoró.
Em 1979, um poço perfurado pela Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM) para abastecer as piscinas de um hotel revelou a presença de uma substância líquida composta por água e petróleo. Esse poço, conhecido como 9-MO-14-RN, marcou o início da extração de petróleo nas terras potiguares. Na década de 1980, as perfurações de poços terrestres foram intensificadas nos municípios de Mossoró, Areia Branca, Macau e Alto do Rodrigues.
Ao longo das décadas seguintes, a empresa contribuiu substancialmente para a economia local. Além de investir em novas instalações, a Petrobras também gerou empregos, tanto diretamente quanto através de empresas terceirizadas. A empresa também incentivou o surgimento de fornecedores de materiais e matérias-primas locais, prestadoras de serviço, impulsionando a economia da região. Além disso, ela desempenhou um papel fundamental na melhoria da vida das comunidades locais, através de ações sociais como fornecimento de água, projetos agrícolas e reformas de escolas.
“Até 2016, a empresa contribuiu muito para a economia do Rio Grande do Norte. No pico da sua atuação no estado, chegou a ater 15 mil empregos diretos, entre pessoal próprio e terceirizado”
A Petrobras chegou a representar 60% do PIB industrial do Rio Grande do Norte, contribuindo com algo em torno de R$ 1 bilhão e meio por ano, entre royalties e ICMS. O estado alcançou a marca de maior produtor de petróleo do Brasil.
Uma empresa em transformação
Ao longo dos anos, a Petrobras passou por mudanças significativas. Quando Vicente ingressou na empresa, ela produzia 153 mil barris. Ao se aposentar, no ano de 2015, a produção era superior a 2,8 milhões de barris de petróleo por dia. A estatal cresceu, tornando-se autossuficiente na produção de petróleo e gás e expandindo para áreas como petroquímica e energia renovável.
“A Petrobras é uma empresa que cresceu em todas as áreas do derivado do petróleo, construindo fábricas de fertilizantes e refinarias. Mas destaco a participação do Centro de Pesquisa no desenvolvimento de importantes projetos”.
A revolução do pré-sal
Um dos marcos mais significativos da Petrobras nas últimas décadas foi a descoberta do pré-sal.
“Enquanto várias empresas multinacionais tentaram, sem sucesso, explorar essa área, a Petrobras, com sua tecnologia brasileira, conseguiu produzir petróleo do pré-sal”
A exploração e produção de óleo e gás no pré-sal da costa brasileira abriu um novo horizonte para a indústria de petróleo. Além disso, impulsionou a criação de uma série de ações estratégicas para garantir mais desenvolvimento e trazer tecnologia, capacitação profissional e grandes oportunidades para a indústria nacional.
Um futuro promissor
Vicente destaca a importância de governos que reconheçam o valor estratégico da Petrobras. “Sob a liderança do presidente Lula, a empresa recebeu apoio para crescer e se tornar o que é hoje.”
Sob a gestão do presidente Lula, entre 2003 e 2010, a Petrobras ampliou sua atuação na área de energias renováveis, como a energia solar e a energia eólica, e se tornou uma força global em transição energética.
No ano de 2004, é instalado o primeiro parque eólico em escala-piloto, em um campo de produção na cidade de Macau, no Rio Grande do Norte. O parque é composto por três aerogeradores com potência de 600 kW cada, produzindo um total de 1,8MW de potência, energia suficiente para abastecer uma cidade de 10 mil habitantes. Os aerogeradores foram instalados para alimentar dois geradores elétricos e uma bomba mecânica de petróleo a diesel, que expeliam uma grande quantidade de CO2 para a atmosfera.
No ano seguinte, 2005, a Petrobras é eleita a empresa brasileira dos sonhos dos jovens pela primeira vez. A possibilidade de desenvolvimento e realização profissional, a boa imagem da empresa no mercado, os salários e os benefícios foram citados como os fatores mais importantes para a escolha pela pesquisa coordenada pela empresa Cia de Talentos.
Foi no final do primeiro governo Lula que o Brasil alcançou a autossuficiência sustentável na produção de petróleo e gás, lembra Vicente. Com produção média diária de 1,9 milhão de barris por dia, o país passou a exportar mais petróleo e derivados do que importar.
“Isso foi quebrado com a saída dos governos do PT, em 2016”
No ano do golpe contra a presidenta Dilma Rousseff, a produção de petróleo operada no pré-sal brasileiro superou o patamar de 1 milhão de barris por dia.
Com os governos de Michel Temer e de Jair Bolsonaro, a empresa teve as malas arrumadas para sair do Estado. Além da privatização de ativos e campos terrestres, a sede em Natal também estava em processo de venda.
Protesto realizado por petroleiros em defesa da permanência da estatal no estado | Foto: Gilson Sá
A mudança de rumo foi oficialmente anunciada em junho deste ano (2023): “a Petrobras fica no Rio Grande do Norte”. A assertiva feita pelo presidente da estatal, Jean Paul Prates, em evento que marcou a reinauguração do Edifício Sede Rio Grande do Norte (EDIRN), reafirma compromisso assumido anteriormente de fortalecer a presença da Petrobras no Nordeste, transformando a região em um importante polo de investimentos em transição energética.
Além de reconhecer o potencial energético da região e o papel importante que desempenha na transição para fontes mais limpas e sustentáveis, há também a expectativa de retomada da produção de petróleo pela Petrobras no Rio Grande do Norte. Trata-se do campo de Pitu, na Bacia Potiguar. A descoberta dessa acumulação, a primeira em águas profundas da Bacia Potiguar, foi comunicada em 17 de dezembro de 2013, e recebeu este ano (2023) a licença do Ibama para iniciar a exploração.