Reservas são consideradas uma “máquina de fazer dinheiro”. Um patrimônio valiosíssimo para qualquer nação. Não à toa, os governos entreguistas de Temer — e agora o de Bolsonaro — promovem a entrega do pré-sal para grupos privados estrangeiros que apoiaram o golpe de 2016 contra Dilma e a campanha de Bolsonaro à presidência.
A 290 km, em linha reta, da praia da Barra da Tijuca, no Rio, centenas de pessoas trabalham em estruturas gigantescas de metal, no meio do oceano, para extrair petróleo a até sete mil metros de profundidade, na chamada camada do pré-sal. Em uma hora de viagem de helicóptero a partir da praia é possível avistar as chamas da primeira plataforma. Avançando um pouco mais, em minutos, aparecem outras cinco, enfileiradas uma atrás da outra, desenhando o campo de Lula, o primeiro no pré-sal e, hoje, o que mais produz petróleo no País.
A Petrobrás nunca ganhou tanto dinheiro produzindo petróleo e gás como agora, com o pré-sal. A empresa lucrou R$ 35,7 bilhões com a exploração e produção nos primeiros nove meses do ano passado, segundo sua última demonstração contábil divulgada. No mesmo período de 2008, quando o pré-sal ainda não tinha escala comercial, o lucro da área de exploração e produção da companhia
A estatal está conseguindo ganhar mais, num cenário menos favorável, por conta dos baixos custos dos reservatórios do pré-sal, de onde são extraídos grandes volumes de petróleo de boa qualidade. O barril produzido na região custa US$ 7 à petroleira, enquanto na média dos seus campos sai a US$ 11.
“Tem sempre alguém que me pergunta se esse negócio de pré-sal é verdade mesmo. É igual ir à Lua, tem gente que não acredita”, brinca Rafael Leone, de 36 anos, 12 deles na Petrobrás, que, do escritório da empresa no centro do Rio, responde pelo planejamento das operações na região. Ele acompanhou a equipe de reportagem numa visita à plataforma P-66, o carro-chefe do pré-sal, uma das apostas mundiais de toda indústria petroleira.
A Petrobrás e companhias privadas extraem diariamente 1,5 milhão de barris de petróleo e 58 milhões de metros cúbicos de gás natural do pré-sal, o equivalente a 55% da produção nacional. No fim do ano passado, mais da metade do petróleo nacional já saía desse que é o território nacional mais profundo já alcançado pela tecnologia.
Crime de lesa-pátria
No dia 4 de julho de 2018, o Plenário da Câmara dos Deputados concluiu a votação do Projeto de Lei 8939/17, do deputado José Carlos Aleluia (DEM-BA), que permite à Petrobras transferir a outras petroleiras até 70% de seus direitos de exploração de petróleo do pré-sal na área cedida onerosamente pela União. A matéria será analisada ainda pelo Senado.
A presidente deposta pelo golpe, Dilma Rousseff, qualificou a votação como “o maior atentado à soberania nacional”. “Ao aprovar o projeto do deputado Aleluia, o Congresso autoriza o saque do nosso país, cujos interesses deveria representar acima de tudo”, criticou Dilma, destacando que a matéria “está sendo aprovada sem debate, às pressas”. Ela compartilhou, em seu site, artigos de Ana Patrícia Laier e Haroldo Lima em que “denunciam o conluio contra o Brasil”.
Confira abaixo os artigos:
COMO PODE UM CONGRESSO AMEAÇAR SAQUEAR SEU PRÓPRIO PAÍS?
Ana Patrícia Laier*
A Cessão Onerosa foi a forma encontrada pelo governo em 2009/2010 de capitalizar a Petrobrás para a exploração e desenvolvimento do Pré-sal, que é a maior província petrolífera descoberta em mais de 35 anos. Antes disto, o Mar do Norte teve sua primeira descoberta comercial com Ekofisk em 1969 e Pré-sal de Santos foi descoberto em 2006 com Parati (1-RJS-617D) e comercial com Tupi (1-RJS-628A) descobridor de Lula. Através da Lei da Cessão Onerosa o Congresso Nacional autorizou a União a vender para a Petrobrás o direito de produzir até 5 bilhões de barris de petróleo a partir de acumulações que a empresa viesse a descobrir em sete grandes áreas, seis definitivas e intransferíveis e uma contingente, a área de Peroba, recentemente leiloada.
A lei foi sancionada e o contrato foi assinado entre a Petrobrás e a União. Duas certificadoras foram contratadas para calcular os volumes, uma pela Petrobrás e outra pela ANP. Foram alocados volumes nas seis áreas definitivas: Franco (Búzios); Sul de Tupi (Sul de Lula); Florim (Itapu); Nordeste de Tupi (Sépia); Sul de Guará (Sul de Sapinhoá) e Entorno de Iara (Norte e Sul de Berbigão; Norte e Sul de Sururu, Atapu). O projeto tinha sido feito por grupo de trabalho formado por técnicos da ANP e da Petrobrás em 2009. Tudo dentro da mais estrita legalidade e visando à otimização da riqueza para toda a sociedade brasileira.
Algo semelhante havia sido feito pelo governo Norueguês antes da privatização parcial da Statoil com a venda das ações na bolsa de valores em 2001. O governo norueguês vendeu para sua estatal de petróleo e gás parte de seu portfólio de participações na produção de campos de petróleo e gás. Pelo direito de produzir os 5 bilhões, a Petrobrás pagou à União US$ 42 bilhões (quase 75 bilhões de reais). A União aumentou sua participação na estatal reinvestido este dinheiro na mesma. A captação na bolsa foi um sucesso.
A Petrobrás iniciou então a campanha exploratória nestas áreas. Adquiriu levantamentos sísmicos 3D; perfurou poços pioneiros e confirmou a presença de acumulações onde petróleo de excelente qualidade (grau API dentro da faixa dos intermediários) em reservatórios de excelente qualidade no Pré-sal, play que já havia sido comprovado a esta altura dos acontecimentos. Lula iniciou sua produção definitiva em 2010.
Conforme previsto no contrato da Cessão Onerosa, a Petrobrás foi declarando a comercialidade à medida que finalizava a etapa de delimitação/avaliação destas acumulações e elaborava o plano de desenvolvimento a ser submetido à ANP. Búzios e Sul de Lula foram os primeiros a terem a comercialidade declarada em dezembro de 2013. Itapu, Sul de Sapinhoá e Sépia lhes seguiram em setembro de 2014. E finalmente, em dezembro de 2014, os campos Norte e Sul de Berbigão, Norte e Sul de Sururu e Atapu tiveram sua comercialidade declarada.
Ao realizar a etapa de exploração e avaliação das áreas, a Petobras verificou que nelas havia muito mais petróleo e gás do que fora adquirido com a Cessão Onerosa. Ainda segundo um modelo de desenvolvimento que otimizaria a geração de riqueza para a nossa sociedade, foi aprovada a contratação direta da Petrobrás para produzir em regime de partilha o excedente da Cessão Onerosa. Isto ocorreu na reunião do Conselho Nacional de Política Energética realizada em 24 de junho de 2014 e presidida por Dilma Rousseff.
Em 2014 o excedente era calculado como sendo algo entre 9,8 a 15,2 bilhões de barris. Para a sociedade serão gerados com este modelo cerca de R$ 650 bilhões, sendo que destes, cerca de 500 bilhões serão destinados às educação. Então, o volume recuperável de petróleo que está em jogo é no mínimo 20 bilhões de barris que a Petrobrás já tinha o direito de produzir.
Como pode um congresso ameaçar saquear seu próprio país?! Reage brasileiro!
*Ana Patrícia Laier é Diretora do Sindipetro-RJ, Conselheira da AEPET, Geóloga formada na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Mestre em Geologia de Reservatório na Universidade Técnica de Delft (TUDELFT) na Holanda e Geóloga da Petrobrás com 18 anos de experiência
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A CÂMARA NÃO PODE CEDER A “CESSÃO ONEROSA” DA PETROBRAS
Haroldo Lima*
A Câmara Federal vê-se às voltas com uma votação crucial, a que autoriza à Petrobras transferir a “terceiros” áreas altamente prolíferas que ela recebeu da União em condições excepcionalmente vantajosas simplesmente por ser uma estatal brasileira.
Sobre o assunto quero dar um testemunho, especialmente para meus ex-colegas parlamentares, com os quais, em épocas passadas, convivi por 20 anos.
Estava Diretor Geral da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis no período da descoberta do pré-sal. Participei da Comissão Ministerial de oito membros que, por quase dois anos de intensos trabalhos, elaborou quatro anteprojetos de lei relativos ao pré-sal e os encaminhou ao Congresso. Esses projetos, submetidos a amplo, demorado e profundo debate com os deputados e senadores foram aprimorados e transformados em três leis aprovadas nas duas Casas do Congresso: a Lei 12.351/2010, que cria e regula a partilha da produção e o Fundo Social; a Lei 12.304/2010 que cria a empresa 100% estatal, Pré-Sal Petróleo S.A., PPSA, para gerenciar o pré-sal; e a Lei 12.276/2010, que cede à Petrobras uma enorme quantidade de petróleo, 5 bilhões de barris, em condições excepcionalmente vantajosas e únicas, para que ela pudesse se capitalizar, que é a chamada Lei da Cessão Onerosa.
Aprovadas essas leis, passou-se então à elaboração do Contrato de Cessão Onerosa, com o trabalho articulado do Governo Federal, através dos Ministérios de Minas e Energia e do Ministério da Fazenda; da Petrobras; e da ANP.
O Contrato elaborado resultou em um detalhado documento de cinquenta e cinco páginas, que chegam a oitenta, com as tabelas e quadros anexados.
Esse contrato foi então assinado pelos representantes do Governo, os Ministros de Minas e Energia e o Ministro da Fazenda; pelos representantes da Petrobrás, seu Presidente e dois Diretores; e pela ANP, representada por mim.
Sou assim um dos autores e subscritores do Contrato de Cessão Onerosa de 80 páginas, que agora, com a Lei correspondente, querem que seja revogado, em “regime de urgência”.
Os que tramam essa manobra, desrespeitam os colegas, desejando que eles revoguem uma Lei e um Contrato sem sequer conhecerem, pois que pela amplitude do Contrato, não houve tempo hábil dele ser manuseado, não tendo, ao que estou informado, sequer sido distribuído.
Fui deputado por vinte anos, fui constituinte e tenho consciência de como ficava inconformado quando se pretendia que os deputados e senadores votassem sem plena consciência do que estavam fazendo, sem ter uma informação minuciosa do que estão eventualmente revogando e, sobretudo, sem saberem os motivos escusos que provavelmente estão por trás da pretendida votação.
Por isso quero aqui indicar, para conhecimento dos senhores deputados, meus ex-colegas, alguns aspectos da questão que estão chamados a votar:
1. Descoberto o pré-sal em 2006/7, a Comissão Ministerial de oito membros acima referida considerou oportuno localizar, na vasta província recém-descoberta, dois blocos passíveis de terem o petróleo certificado por certificadoras internacionais. A ANP localizou dois pontos em áreas da União e em seguida contratou a Petrobras para perfurá-los. Foram assim descobertos Franco e Libra.
2. Deliberou-se então, com o apoio do Congresso, que cinco bilhões de barris de Franco (hoje campo de Búzios) seria cedido à Petrobras em condições especiais, únicas, altamente vantajosas. Que a Petrobras venderia ações no mercado e assim se capitalizaria, pagando o petróleo à União em ações. A Petrobras não desembolsaria nada, mas ao contrário, teria recursos inclusive para mais investir no pré-sal. Isto aconteceu e a Petrobras levantou cerca de R$120 bilhões (US$ 70 bilhões), na maior arrecadação já feita no mundo em uma operação dessa natureza. E ela se capitalizou em mais de R$70 bilhões.
3. Resolvido o problema de ajudar a Petrobras a se capitalizar, o governo deliberou, com o apoio do Congresso, que o outro campo, de Libra, de dimensões semelhantes a Franco, deveria ser leiloado de forma transparente para reforçar o caixa da União, o que foi feito, recolhendo-se um Bônus de Assinatura de R$15 bilhões em um contrato de partilha beneficioso à União.
4. Permitir agora que a Petrobras abra mão de 70% das jazidas da cessão onerosa é revogar a Lei e o Contrato da Cessão Onerosa, porque eles seriam alterados em suas essências, pois que eles foram feitos exclusivamente para beneficiar a Petrobras apenas por ser uma empresa na qual o Estado tem quase 50% do capital social e a maior parte do votante.
5. Nessa tentativa de alterar a Lei e o Contrato de Cessão Onerosa insere-se um procedimento extremamente perigoso, altamente prejudicial aos interesses nacionais e que pode conduzir a uma ação junto à Procuradoria Geral da República por favorecimento indevido a “terceiros”, esbulhando a União.
É que, na Cessão Onerosa os royalties ficaram de 10% e não 15% como no restante do pré-sal.
Que as Participações Especiais, que em grandes campos petrolíferos são maiores que os royalties, não serão cobradas. Que o Bônus de Assinatura, que em bloco similar, o de Libra, foi de R$15 bilhões, lá, na cessão onerosa, em Franco (hoje Búzios), para beneficiar a Petrobras, não existiu. Que licitação que há para todo o restante da área, para a cessão onerosa não houve, e a Petrobras foi escolhida para recebe-la.
Passar todas essas excepcionais vantagens destinadas especificamente à Petrobras para um “terceiro” é uma expropriação ao povo brasileiro.
6. O PL que se pretende votar a toque de caixa fala em transferir essa área a “terceiros”. Mas que “terceiros” seriam estes? De onde eles vêm? Que papel estão tendo no apressamento desta indecorosa matéria esses “terceiros”?
7. Digo como pessoa que dirigiu por quase oito anos a ANP, que não há uma só empresa brasileira capacitada a entrar nas áreas da cessão onerosa, por absoluta falta de meios. Só tem um tipo de “terceiro” à vista: a empresa estrangeira. Na verdade, o que se quer é forçar o Congresso a votar, no escuro, a toque de caixa, benefícios que só multinacionais do petróleo poderão usufruir.
8. Por tudo isto é que a Lei da Cessão Onerosa, no parágrafo 6º do art. 1º diz que, “A cessão de que trata o caput é intransferível”, ou seja, a área da cessão onerosa não pode ser transferida a ninguém. Isto é o que está na Lei que se pretende revogar sumariamente. Então, basta mudar a correlação de forças no meio dos deputados e senadores para que esse cuidado que deputados e senadores tiveram no passado seja abandonado?
9. Por último, um alerta. Nenhuma grande petroleira abre mão de um grande campo de petróleo, que vai iniciar a produção, e no qual é operadora, se tiver pretensões de continuar a ser grande. Só uma empresa que pretende se privatizar abre mão de ativos desse tipo. Isso é inaceitável.
10. Barrar a entrega das áreas da Cessão Onerosa a multinacionais é um dever que os parlamentares não podem recusar.
* Haroldo Lima é ex-diretor-geral da Agência Nacional de Petróleo (ANP) e membro do Comitê Central do PCdoB