Um estudo técnico da consultoria legislativa da Câmara mostra que as condições em que serão realizadas, nesta sexta-feira (27), as duas rodadas de licitações de áreas do pré-sal são desfavoráveis para o governo brasileiro. Na ânsia de entregar o patrimônio público sob o argumento do equilíbrio fiscal, a configuração atual dos leilões “interessa aos contratados, mas pode não trazer benefícios relevantes para a economia brasileira”, diz o texto.

Assinado pelos consultores Paulo César Ribeiro Lima e Pedro Garrido da Costa Lima, o estudo afirma que o governo atual está colocando em prática uma política de licitação de grandes áreas do pré-sal, “com baixo excedente em óleo da União, baixo bônus de assinatura e baixo conteúdo local”.

O excedente em óleo são os percentuais mínimos de petróleo que devem ser entregues ao governo pelos que vencerem os leilões. Já por bônus de assinatura pode-se entender um pagamento feito pela empresa na assinatura do contrato de exploração. Ou seja, o que os consultores estão dizendo é que não se trata de um bom negócio para o país e, sim, para os participantes do leilão. “Um bem público de grande valor para o país, como o pré-sal, deve ser explorado em benefício de toda a sociedade brasileira, com foco no interesse público”, alerta o documento.

Estes serão os dois primeiros leilões após a alteração da legislação do pré-sal, ocorrida em outubro de 2016. A mudança retirou a cláusula de obrigatoriedade de participação da Petrobras no regime de partilha. Até a modificação, a estatal brasileira deveria ter participação mínima de 30% na exploração de todos os blocos em operação.

No primeiro leilão de áreas do pré-sal, realizado em 2013, portanto antes das mudanças, o bloco de Libra foi licitado com um percentual mínimo de excedente em óleo da União de 41,65% e um bônus de assinatura de R$ 15 bilhões. Agora, os percentuais mínimos estabelecidos pela ANP para os leilões desta sexta variam entre 10,34% (para a área de Entorno de Sapinhoá) e 22,87%, para a área de Alto de Cabo Frio Oeste.


“O total do bônus de assinatura para as quatro áreas a serem licitadas na 2ª Rodada do pré-sal é de apenas R$ 3,4 bilhões; na 3ª Rodada, esse bônus é de R$ 4,35 bilhões. Os bônus de assinatura das 2ª e 3ª Rodadas do pré-sal totalizam apenas R$ 7,75 bilhões, o que representa pouco mais da metade do bônus da licitação de Libra, que foi de R$ 15 bilhões”, dizem os consultores legislativos.

Eles ressaltam, contudo, que, quando Libra foi licitada, o preço do Brent, da ordem de US$ 110 por barril, era cerca de duas vezes maior que o preço atual, da ordem de US$ 52 por barril. “Apesar das diferenças de cenário, os excedentes mínimos a serem ofertados na 2ª e 3ª Rodadas podem ser considerados muito baixos para uma província como a do pré-sal, onde, como já citado, o custo de extração já é inferior a US$ 7 por barril”, afirmam.

Os consultores também apontam os prejuízos do esvaziamento da política de conteúdo local. “Os benefícios advindos do adensamento de cadeias produtivas e do aumento da capacidade de inovação por causa da demanda do setor de petróleo e gás tendem a ser reduzidos com a diminuição dos índices de conteúdo local.”

Os percentuais de conteúdo local da 2ª Rodada vão de 35% a 55% na fase de exploração, mas, de acordo com o estudo da Câmara, podem ser explicados pelo fato de as áreas serem unitizáveis e, por isso, estarem vinculadas à política de conteúdo local da área original.

Já na 3ª Rodada, na fase de exploração, o conteúdo local mínimo é de apenas 18%. Nas etapas de desenvolvimento de produção, foram estabelecidos percentuais de 25% e 40% para as diversas atividades e sistemas. “Esses percentuais podem ser considerados muito baixos”, defende o estudo.

O documento cita a Associação Brasileira de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), que considera que a Resolução nº 7/2017 do Conselho Nacional de Política Energética estabelece percentuais tão baixos de conteúdo local que podem ser alcançados apenas com serviços, podendo afastar do processo a indústria brasileira de máquinas e equipamentos e afetar significativamente a indústria naval.

Segundo os consultores, as descobertas na província petrolífera do pré-sal estão entre as mais importantes em todo o mundo nas últimas décadas. Essa província é composta por grandes acumulações de óleo leve, de excelente qualidade e com alto valor comercial, o que coloca o Brasil em posição estratégica frente à demanda mundial por petróleo e gás natural.

“Áreas de grande potencial, como as da província petrolífera do pré-sal, devem ser licitadas para trazer grandes benefícios para a sociedade brasileira, o que pressupõe elevados excedentes em óleo da União e altos percentuais de conteúdo local. Se isso não ocorrer, estará sendo consumido um bem público com benefícios principalmente para os contratados”, criticam os técnicos.

A mudança nas regras da partilha tem sido criticada por engenheiros, petroleiros e especialistas, como Luiz Pinguelli Rosa, professor de planejamento energético da Coppe/UFRJ e presidente da Eletrobras entre 2003 e 2004. À BBC, ele disse que a menor participação da Petrobras na exploração dos blocos ofertados desperdiça um recurso estratégico. “Ela deveria continuar [a explorar o pré-sal] na medida das suas possibilidades. As reservas são do Brasil, não para o mundo”, diz ele.

Para Pinguelli Rosa, o relaxamento da regra que previa o uso de um percentual mínimo de conteúdo nacional pelas petroleiras vai gerar um volume grande de importações de maquinário e geração de emprego “em outros países”.

Por Joana Rozowykwiat, do Portal Vermelho