Uma das mais eloquentes vozes da esquerda intelectual brasileira, o sociólogo e cientista político Emir Sader foi ovacionado por mais de três centenas de estudantes, professores, juristas, petroleiros, profissionais de outras categorias e representantes de movimentos sociais e sindicais ao iniciar sua palestra com um uníssono #ForaTemer, durante a realização da 6ª edição do projeto “Na Trilha da Democracia”.
Com a afirmação de que a cumplicidade do setor jurídico brasileiro com o golpe é óbvia, Emir iniciou sua exposição imediatamente após a decisão dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), nesta quarta-feira (7), em manter o senador Renan Calheiros (PMDB-AL) na presidência do Senado, mas não na linha sucessória da presidência da República.
“O STF que correu para salvar Renan nem sequer se reuniu para considerar se a decisão mais grave do parlamento brasileiro tinha apoio constitucional ou não”, pontuou, referindo-se ao processo de impedimento da presidente Dilma Rousseff.
Ao falar sobre as razões que caracterizam o processo de impeachment como golpe, alertou os presentes sobre a tentativa de recolocar o país numa forma estreita, amoldá-lo às dimensões do mercado financeiro.
“Este ano vimos terminar o mais importante período político da história brasileira, iniciado em 2003, com um golpe que pretende desfazer o Brasil literalmente, desmontando o Estado e os patrimônios mais importantes, a começar pela Petrobras”, afirmou Sader.
Para ele, o governo ilegítimo de Temer segue o programa neoliberal dos anos 80 e 90 derrotado sucessivamente nas quatro últimas eleições, apresentando um “diagnóstico que demoniza o Estado, os trabalhadores, as políticas sociais, os direitos das pessoas”.
“O pânico das manifestações por parte do governo golpista vem da demonstração do desafio ao medo que se quer impor ao povo. Gostariam que, com o passar do tempo, a rejeição de Temer diminuísse e os brasileiros aceitassem a situação de fato do golpe. Mas, conforme se anunciam as dimensões das medidas impopulares do governo, a rejeição a Temer aumenta, o próprio desgaste nas filas do golpismo aumenta, tramas contra a continuidade se intensificam e a unidade interna, indispensável para colocar em prática o programa antipopular, revela dissensões”, avaliou Sader.
Para o professor, o único compromisso do governo golpista e sua equipe econômica é com o ajuste. “Um dos objetivos centrais do golpe é restabelecer, segundo seus critérios, as condições para a retomada de um ciclo de investimento na economia e a retomada do seu crescimento. O poder central de Henrique Meirelles no governo golpista serve para dar garantias ao empresariado de que seus interesses serão zelados antes do que qualquer outro”.
Sader avalia que toda essa operação midiática, judicial e policial, “de caráter totalitário e manipulatório”, realizada contra o ex-presidente Lula e o Partido dos Trabalhadores, visa é esconder a destruição do Brasil como país e sua redução às estreitas margens do mercado, e requer destruir a imagem de quem representa, melhor que qualquer outro, a esse país. “Nunca houve tantas suspeitas sem comprovação, convicções sem provas, campanhas diárias de tentativas de redução do maior líder da história política do país”, lembrou.
Para ele, todos estes episódios “servem para desviar a atenção dos maiores crimes que se cometem contra o Brasil, contra o patrimônio público, contra as políticas sociais, contra os direitos dos trabalhadores, contra a soberania do Brasil como país”.
Sader falou também sobre a mais recente obra lançada sob a sua responsabilidade, “O Brasil que Queremos”. O livro reúne uma série de ensaios de intelectuais e acadêmicos brasileiros de 19 autores, apontando seus pontos de vista sobre o futuro do país.
Ao final da exposição, Emir Sader respondeu algumas das perguntas encaminhadas à mesa e fez uma sessão de autógrafos. Os livros comercializados no local tiveram as vendas esgotadas.
Estatais na mira e retomada do crescimento
Com a atual conjuntura, totalmente alinhada ao mercado estrangeiro, os tucanos conseguiram botar em andamento os planos de privatização das estatais brasileiras, e a Petrobrás é uma dos alvos mais evidentes, pela importância estratégica que sustenta o projeto nacionalista e ameaça os interesses de entreguistas, como José Serra, autor do projeto que retira da Petrobras a condição de operadora única do pré-sal.
Nessa perspectiva, o SINDIPETRO-RN indagou o professor Emir Sader: Como o povo pode retomar o projeto promissor de tornar a Petrobrás uma estatal forte, que garanta a destinação de lucros do pré-sal para educação e saúde, como era com antes da derrubada da lei de Partilha?
Emir Sader: Tem que ter uma virada política. O que está acontecendo com a Petrobrás é o resultado direto do golpe político, jurídico e midiático. Não há nenhum mandato democrático para “esse cara” está mexendo no que é do povo, privatizando todo dia pedaços da Petrobrás – vendendo empresas e bacias de pré-sal. Isso não é legitimo, só o golpe tornou possível que Temer chegasse à presidência. E nem o Parente à frente da Petrobrás. Fora isso, ele seria esquecido na “Era Fernando Henrique”.
Na verdade, a única perspectiva de resgate da Petrobrás e do modelo econômico que vinha dando certo é por meio da derrota política do atual governo. E hoje política significa “eleição”. Mas eleição não é aquilo que está lá longe, é aquilo que se constrói com um bloco, mobilizações, valores, plataformas, etc.
Por isso, é fundamental uma frente política unificada dos partidos e movimentos sociais. É necessário, mas não é suficiente. Juntando toda esquerda, essa parcela ainda estará isolada da população. Então, precisamos construir um projeto de Brasil e ganhar outros setores. Nós precisamos ganhar setores da classe média e do empresariado que estavam retraídos, pois ainda estamos no modelo capitalista. Mas o ponto de apoio inicial é fortalecer as frentes da esquerda para recomeçar um projeto de país que mostre quem pode retomar o desenvolvimento, redistribuir renda, criar empregos, bem estar social e gerar mais riqueza, da qual todos sejam beneficiados”.