O jornal Estado de São Paulo divulgou nesta quarta-feira, 17, que teve acesso a relatórios da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) que foram enviados ao governo federal alertando sobre o avanço da pandemia de covid-19 na Petrobrás. Os documentos somam 950 páginas e revelam que, em um intervalo de apenas nove dias, 872 trabalhadores foram infectados em unidades da empresa. A Abin também alertou o governo sobre a iminência de uma greve.

O que a Agência de Inteligência tratou como alerta já vinha sendo denunciado pela FUP e seus sindicatos desde o final de março. Assim como Bolsonaro, os indicados que ele colocou na gestão da Petrobrás negligenciam a pandemia, subnotificam o número de casos, omitem informações e descumprem medidas e recomendações feitas por autoridades sanitárias e órgãos fiscalizadores.

O coronavírus já consumiu 46.665 vidas no Brasil e 960.309 infectados, segundo o último levantamento das secretarias estaduais da saúde. Mesmo com a pandemia avançando, a gestão Castello Branco retomou as obras do GasLub, antigo Comperj, expondo centenas de trabalhadores ao risco. Pelo menos 200 casos de covid-19 foram confirmados entre os trabalhadores de seis empresas contratadas. Itaboraí, município da região metropolitana do Rio de Janeiro, onde o GasLub está localizado, não tem infraestrutura de saúde para atender os contaminados, muito menos um grande acidente que possa ocorrer durante a pandemia.

Na Reduc, a situação é ainda mais grave. São esperados seis mil trabalhadores para as obras de parada de manutenção previstas para agosto, quando especialistas alertam que o Brasil poderá ultrapassar a marca de 120 mil mortes por covid-19. Antes mesmo de abrir as contratações, centenas de operários se aglomeram na entrada da refinaria em busca de uma vaga.

No Polo de Guamaré, no Rio Grande do Norte, os casos confirmados de trabalhadores infectados se multiplicaram em junho. Segundo levantamento do Sindipetro-RN, só na primeira quinzena do mês 36 trabalhadores testaram positivo. Dos 17 operadores que atuavam no mesmo grupo de turno, 13 desembarcaram após testarem positivo, sem que medidas fossem tomadas pela Petrobrás para evitar o contágio dos demais trabalhadores que tiveram contato com eles. Enquanto a pandemia avança, a gestão da empresa quer ampliar o confinamento no polo e instalou quatro containers para que sejam adaptados como alojamentos.

Gestão de falcatruas

“É triste ver o corpo técnico e de carreira da Petrobrás se submeter às loucuras do governo Bolsonaro, aceitando de forma servil medidas que colocam em risco a saúde e a vida de companheiros de trabalho”, lamentou o coordenador da FUP, Deyvid Bacelar, na reunião desta quarta-feira, 17, com o grupo de Estrutura Organizacional de Resposta (EOR), que coordena as medidas relacionadas à covid-19 na Petrobrás.

Ele exigiu que a gestão da empresa suspenda as obras e paradas de manutenção até que as autoridades sanitárias anunciem o controle da pandemia e o retorno seguro de trabalhos que envolvam grandes contingentes de empregados. “Se a empresa insistir nesta loucura, estaremos contando os mortos nos próximos meses”, afirmou.

A FUP também criticou duramente o SMS da Petrobrás por permitir que petroleiros sintomáticos que testaram negativo em exames inconclusivos para covid-19 continuem trabalhando e os infectados que ainda não se recuperaram da doença voltem a trabalhar, sem testes complementares. Para burlar normas de saúde, a empresa se escora na MP 927/20, que flexibilizou direitos trabalhistas durante a pandemia, permitindo a suspensão de exames médicos ocupacionais, clínicos e complementares.

“Isso é falcatrua”, indignou-se o médico do trabalho e assessor do Sindipetro-NF, Ricardo Garcia, ao contestar a justificativa da gerência de saúde da Petrobrás, que autorizou procedimentos que colocam em risco os trabalhadores, como a liberação para embarque nas plataformas de quem testou IgG positivo, com ou sem IgM positivo.

Parecer técnico elaborado por médica do trabalho da Procuradoria Regional do Trabalho do Rio de Janeiro afirma que “IgM positivo, mesmo com IgG positivo, sem realização de PCR que se revele negativo, não há garantia de ausência de infectividade pelo coronavírus”.

Até mesmo trabalhadores que tiveram quadros graves de covid-19, com sequelas físicas e psicológicas, estão sendo convocados para voltar ao trabalho, sem passar por exames complementares.

Apagão de informações

A FUP tornou a criticar a omissão e sonegação de dados sobre a pandemia. Além de negar informações aos sindicatos e às Cipas, a gestão da Petrobrás tem feito alterações constantes na metodologia de notificação dos casos de covid-19 confirmados e suspeitos, o que reforça as denúncias da FUP sobre manipulação das informações, prática semelhante a do governo de Jair Bolsonaro.

Os dados divulgados pela empresa são de 314 petroleiros contaminados, dos quais cinco estão hospitalizados, e 990 recuperados. A Petrobrás continua omitindo o número de mortes e invisibilizando os casos de contaminação entre os trabalhadores terceirizados, que são os mais afetados pela pandemia. “A omissão de informações infecto contagiosa é gravíssimo. É crime contra a humanidade”, alertou Ricardo Garcia.

Transferências em meio à pandemia

Não bastasse tudo isso, a gestão da Petrobrás está transferindo trabalhadores em plena pandemia, descumprindo protocolos de segurança da OMS e recomendações de órgãos fiscalizadores. A Nota Técnica 06/20 emitida pela Procuradoria Geral do Trabalho em conjunto com a Coordenadoria Nacional de Promoção da Liberdade Sindical (Conalis), por exemplo, orienta os empregadores a não realizar transferências de trabalhadores durante a pandemia, até que haja sinalização das autoridades sanitárias de redução de riscos e controle epidemiológico. Ao contrário do que determina o MPT, os petroleiros estão recebendo documentos para transferência de unidades, com movimentações previstas para o começo de julho.

[FUP]