Em entrevista ao jornal Brasil de Fato, Deyvid Bacelar ressalta a importância da revisão do planejamento estratégico da estatal e de novas políticas para que a empresa volte a servir a população
[Por Vinicius Konchinski, do Brasil de Fato]
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) prometeu baixar os preços dos combustíveis vendidos pela Petrobras e alterar a distribuição de dividendos da companhia para que ela retome seus investimentos. Isso, porém, não deve acontecer da noite para o dia, de acordo com o coordenador-geral da Federação Única dos Petroleiros (FUP), Deyvid Bacelar.
Bacelar fez campanha pela eleição de Lula. Acredita no projeto do presidente para a estatal. Diz que as mudanças necessárias na empresa, entretanto, demandam de tempo e não podem causar “grito” de investidores.
“A mudança deve ser feita em doses homeopáticas, para que não haja um grito de acionistas”, disse ele, sobre a redução do pagamento de dividendos.
Bacelar concedeu entrevista ao Brasil de Fato na sexta-feira (24). Explicou que a mudança na política de preços da Petrobras só deve ocorrer a partir de abril, quando o governo Lula deve substituir conselheiros e diretores indicados por Jair Bolsonaro (PL).
Confira os principais trechos da conversa:
Brasil de Fato: Durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), a FUP criticou a conivência dele com a chamada política de preços da Petrobras. Lula prometeu mudá-la. Seu governo vai completar dois meses e isso ainda não mudou. Por que?
Deyvid Bacelar: Isso deve ocorrer assim que a gestão da Petrobras for alterada, ou seja, que ela tenha pessoas indicadas pelo presidente Lula na sua direção. Tudo indica que a gestão muda em abril, com a realização de uma assembleia geral de acionistas e a eleição de um novo conselho de administração. Por conta de mudanças na legislação brasileira, da Lei das Estatais e de mudanças no estatuto da Petrobras, criaram-se uma série de amarras para alterações da diretoria. Hoje, só temos o ex-senador Jean Paul Prates dentre os indicados por Lula na diretoria. A Petrobras ainda tem gestores ligados a Bolsonaro.
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Termina no fim de fevereiro a desoneração da gasolina concedida por Bolsonaro. Isso quer dizer que o preço do combustível deve subir já que os preços da Petrobras devem seguir os mesmos? Você acha que a desoneração deve ser renovada?
Nós acreditamos que a desoneração não é a solução para o problema dos preços dos combustíveis. A solução definitiva é a mudança da política de preço. Mas entendemos que temos que ter um equilíbrio.
Essa desoneração representa uma perda de arrecadação de R$ 29 bilhões para o Estado brasileiro. Isso faz falta, até porque o governo Bolsonaro deixou o Estado brasileiro aos frangalhos. Precisamos de recursos para pagar Bolsa Família, salário mínimo, Minha Casa Minha Vida. Agora, o fim da desoneração gera um impacto imediato de R$ 0,70 no preço da gasolina. Isso geraria um desgaste muito grande, principalmente entre a classe média, que sempre foi contrária à esquerda e a Lula. Caberá a ele definir.
Qual a alternativa à atual política de preços?
Primeiro, é preciso dizer que é inadmissível que um país que é autossuficiente em petróleo, que tem refinarias, utilize do preço de paridade de importação como referência. Acreditamos que, no momento em que o governo tiver o controle de fato da gestão da Petrobras e que também discuta com o Congresso Nacional soluções para um amortecimento, uma estabilização dos preços, teremos uma solução definitiva.
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O senador Jean Paul Prates foi relator de um projeto que criaria uma espécie de fundo de estabilização de preços de combustíveis. Quando o petróleo sobe, o governo arrecada e usa isso para subsidiar o combustível. Isso seria a solução?
O próprio ex-senador Jean Paul Prates já disse em entrevista que são várias as soluções. Uma mescla de ações precisa ser feita para termos uma solução. Esse projeto sobre o fundo de estabilização também fala sobre a política de preços. Nós, da FUP, já falamos de fundos de estabilização, da criação de estoques reguladores e outras coisas. Não podemos esquecer que 25% do diesel consumido no Brasil é importado. Então, caso não haja uma ação bem pensada, há riscos de desabastecimento.
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Qual sua expectativa sobre os dividendos da Petrobras?
A nossa expectativa é que haja uma mudança significativa, mas dosada. Jean Paul Prates já declarou que não teremos mais a distribuição estratosférica de dividendos. Em 2021, por exemplo, foram 104% do lucro líquido da Petrobras distribuído a acionistas. Acho honesto que a Petrobras pague seus acionistas. Agora, esperamos que ela volte a distribuir algo como 35% e 40% do seu lucro líquido.
A mudança deve ser feita em doses homeopáticas, para que não haja um grito de acionistas. No nosso entendimento, isso tem que ocorrer da forma mais rápida possível para que a Petrobras use sua capacidade de geração de caixa para investimentos. Para que a Petrobras tenha um futuro lógico e não seja apenas utilizada por especuladores.
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Quais os investimentos devem ser priorizados?
Tivemos uma reunião com o presidente Jean Paul no dia 27 de janeiro e deixamos isso explícito. Há uma necessidade de ampliação da capacidade de refino hoje aqui no Brasil, concluindo obras que foram interrompidas no Rio de Janeiro, em Pernambuco. Precisamos também de uma nova refinaria no Nordeste, talvez no Ceará. Precisamos retomar a construção de plataformas em estaleiros no Brasil. Precisamos voltar à área petroquímica.
Precisamos pensar na soberania alimentar. Ficamos quase ficamos sem fertilizantes na pandemia e por conta da guerra. Importamos 95% do que precisamos da Rússia. Temos a possibilidade de fazer isso.
Precisamos pensar daqui a 50 ou 100 anos. Investir na transição energética, em biocombustíveis. Ter a Petrobras do poço ao posto, investindo também na comercialização de combustíveis, e do poço ao poste também.
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A Petrobras tem um acordo com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) para vender refinarias enquanto você defende construir novas. Como conciliar isso?
Esse é um tema central no debate que temos feito com o presidente Lula, com o presidente Jean Paul. Há uma necessidade de se rever esse acordo, entre aspas. O “acordo” entre a Petrobras e o Cade na verdade foi um conluio com importadoras feito durante o governo de Michel Temer. A Petrobras aceitou vender oito das suas 14 refinarias, algo inadmissível. Pense se fosse uma empresa privada: “ah, decidi vender metade das minhas lojas porque isso é prejudicial à concorrência”. Isso não acontece.
Já tivemos uma reunião com o advogado-geral da União, Jorge Messias, sobre isso. Ele se comprometeu a estudar a possibilidade de reversão desse acordo, que é lesivo à Petrobras. Faremos estudos, inclusive, para reverter as três privatizações de refinarias já realizadas, na Bahia, no Amazonas e no Paraná. Existe ainda a possibilidade de recompra desses ativos.
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Tudo isso dependeria de uma decisão do novo conselho de administração da Petrobras. Vocês têm acompanhado as negociações sobre nomes? Têm acompanhado a indicação da nova diretoria? Como avaliam as escolhas?
Primeiro, com relação ao conselho de administração, cabe ao presidente da República fazer essas indicações. Acreditamos que serão bons nomes, levando em conta o que já foi ventilado. Vamos aguardar o prazo considerado limite: 30 a 40 dias antes da assembleia de acionistas, que está marcada para 13 de abril. Sobre a diretoria, são quase todos profissionais de carreira da Petrobras. O ex-senador Jean Paul tem se preocupado bastante com as competências técnicas e também políticas dos indicados. A expectativa é grande para que a Petrobras volte a servir a população.
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A FUP enfrentará um dilema nesse novo governo? Como apoiar uma gestão indicada por um governo eleito e, ao mesmo tempo, pressioná-lo em prol dos trabalhadores?
A FUP é filiada à Central Única dos Trabalhadores (CUT) e segue um princípio da entidade: independência diante dos governos e dos patrões. A FUP seguirá autônoma diante do governo Lula e diante da gestão do ex-senador Jean Prates à frente da Petrobras. Até porque a relação capital trabalho continua existindo.
A Petrobras deveria ser uma empresa 100% pública, estatal, mas não é. Ela tem acionistas minoritários que são investidores nacionais e internacionais, que estão interessados em lucros e dividendos. Os trabalhadores estão sendo explorados, vendendo sua força de trabalho para terem um salário no final do mês. Precisam ter salário digno. Esperamos diálogo e respeito às negociações coletivas. Mas, se necessário, mobilizaremos a categoria, faremos paralisações, greves, como fizemos inclusive lá nos governos do presidente Lula.