Segundo José Ricardo Roriz Coelho, vice-presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, a medida atende a meia dúzia de petroleiras

Por Carlos Drummond, Carta Capital

Na segunda quinzena de fevereiro, o governo mudou as regras da política de conteúdo local. Reduziu em 50% em média os percentuais mínimos de equipamentos e serviços produzidos no País exigidos em licitações de exploração de petróleo e gás. O setor aceitaria a diminuição de até 40% e pleiteava a separação entre serviços e materiais, mas Brasília impôs a metade do total anterior e índices globais.

Para José Ricardo Roriz Coelho, vice-presidente e diretor do Departamento de Competitividade e Tecnologia da Fiesp, tratou-se de “uma decisão completamente errada, que afeta milhares de empresas no momento em que o País tem 12 milhões de desempregados”.

O empresário condena a atitude da Petrobras de rotular a defesa do conteúdo local mínimo como uma política retrógrada. “Logo ela, que foi construída em cima de uma reserva de mercado.” A seguir, a íntegra da entrevista.

CartaCapital: Como o senhor vê a redução dos percentuais mínimos de conteúdo local exigidos na cadeia de óleo e gás?

José Ricardo Roriz Coelho: Acho uma decisão completamente errada, num momento como este, em que estamos com 12 milhões de desempregados. Ao longo do tempo, o País gerou capacitação, criou empregos, treinou pessoal, fez investimentos. De uma hora para outra, para satisfazer meia dúzia de petroleiras, a Petrobras incluída, em detrimento de milhares de outras que participam da cadeia produtiva, o governo mudou a política sob o pretexto de que não haverá investimento no Brasil se não tiver uma política que restrinja a produção doméstica. Não concordo.

CC: Por que não concorda?

JRRC: Noruega, Estados Unidos, Reino Unido e Arábia Saudita adotam a política de conteúdo local, enquanto Venezuela, Nigéria, Angola, Iêmen não adotam. Portanto é muito melhor buscar inspiração e referência nos países que deram certo do que nestes últimos mencionados.

CC: Como o senhor avalia o momento da decisão?

JRRC: Foi impróprio. Perdemos a oportunidade de o País deter cada vez mais tecnologia e gerar empregos de boa qualidade. No setor de óleo e gás, pagam-se salários 40% acima da média da indústria. O governo, além de reduzir os percentuais mínimos, não separa serviços de bens e processos. Assim, só com a parcela de serviços, que é a de menor valor agregado, será possível atender às exigências de conteúdo local. Bastará colocar trabalhadores pintando plataformas. O melhor seria, cada vez mais, ter produto de alto conteúdo tecnológico desenvolvido aqui no Brasil e empregando gente no País.

CC: Quais os efeitos dos novos limites de conteúdo local sobre a indústria?

JRRC: O impacto será no emprego, principalmente. As regras anteriores funcionaram no sentido de preservar um mínimo aceitável de encomendas do setor de óleo e gás para a indústria nacional. Os investimentos do pré-sal, que hoje representam 50% da produção de petróleo do Brasil, foram feitos dentro da política de conteúdo local que estava em vigor. Querendo-se ou não, atendeu bem, e em um momento em que a demanda internacional por equipamentos de perfuração para exploração de petróleo estava muito alta, no período de preço do barril acima de 100 dólares.

Não se encontrava fornecedores para a cadeia de óleo e gás no mundo, pois todos estavam com a capacidade tomada. Foi o Brasil que conseguiu suprir boa parte da demanda e assim desenvolveu tecnologias, trouxe um grande número de empresas, empregou e treinou muita gente. O resultado é a produção do pré-sal atingir metade do total de óleo e gás do País, um desafio, e com empregos criados em empresas instaladas aqui. A grande maioria das petroleiras norueguesas, americanas, do Reino Unido, produz no nosso mercado doméstico.

CC: O ministro de Minas e Energia disse que adiante “poderão ser feitas revisões, mas os índices mínimos de nacionalização permanecerão”. Como ficará a revisão pleiteada pelo senhor e outros dirigentes de entidades empresariais para os leilões a partir de 2018?

JRRC: Se ele não alterar os índices mínimos e não separar serviços de bens, não vai adiantar nada. Mudar para quê? O que é mais importante, ele definiu, em uma política focada no curtíssimo prazo, mas não pensa o País no médio e longo prazo. Há uma janela aberta na nossa frente, mas não conseguimos enxergar as grandes oportunidades que teríamos se houvesse uma política de conteúdo local adequada.

CC: O grande motor daquela que poderia ser uma política industrial é a Petrobras. Como o senhor vê a abertura, pela empresa, de concorrência exclusiva para fornecedoras estrangeiras?

JRRC: A Petrobras existe por causa de uma política de conteúdo local. Recebeu, sem ônus nenhum da sociedade brasileira, a opção de escolher no mínimo 30% dos melhores campos de petróleo para exploração aqui no Brasil, definida em lei (a obrigatoriedade de atingir esse percentual foi derrubada no Congresso). Mas o que ela devolve à sociedade? Preços de derivados muito mais caros que lá fora e o protagonismo nessa definição nociva ao País de percentuais menores de conteúdo local. Ela teria, entretanto, que aderir ao mercado onde ela atua e poderia crescer aqui. O que ela sinaliza para as empresas brasileiras é que as petroleiras vendem aqui ao preço que querem, e compram onde for mais barato no mundo. Eu quero destacar um ponto.

CC: Qual?

JRRC: Acho errado a Petrobras, num momento como este, difundir por aí a ideia de que defender o conteúdo local mínimo é uma política retrógrada, como se fosse pleitear uma reserva de mercado. Logo ela. A Petrobras construída em cima de uma reserva, pois nenhum país é ingênuo a ponto de entregar suas jazidas de petróleo para outro, até por ser estratégico.

Amanhã, se houver um problema de falta de combustíveis e outros derivados de petróleo, essa política atual, de só fazer aqui os serviços que não agregam valor, deixará o Brasil muito vulnerável. Vamos produzir petróleo, mas ao longo do tempo não teremos a capacitação para desenvolver tecnologias.

CC: Em que a Petrobras se diferencia das petroleiras estrangeiras?

JRRC: Ela não é uma empresa como as outras, que se instalam em qualquer lugar do mundo e, no dia em que acabar o petróleo, vão embora. A Petrobras, até por ter recebido tudo da sociedade brasileira, teria quase obrigação de ser um grande agente difusor de políticas de adensamento da cadeias produtivas que dessem suporte às necessidades do Brasil.

CC: Há também a questão da tecnologia.

JRRC: Todas as empresas que produzem lá fora, Schlumberger, Cameroon, SMC, Halliburton, Rolls Royce e GE, entre outras, estão aqui no Brasil, vieram por causa da política de conteúdo local em vigor até recentemente. Por que elas não têm tecnologia para produzir aqui, mas têm em outro lugar? Se há um custo maior de se produzir aqui, isso não é culpa das empresas e elas não podem ser punidas por isso.

CC: Por que se chegou a esta situação de fraqueza e desprestígio tão grande da indústria brasileira? Na Europa e Estados Unidos, dá-se força ao setor.

JRRC: O Brasil está na contramão. Enquanto lá fora se percebeu a força das empresas, que pagam impostos, treinam a mão-de-obra, desenvolvem tecnologia e constituem o fator de crescimento, aqui é o contrário. A empresa é o inimigo da nação, sempre pressionada a pagar mais impostos. A legislação trabalhista não vê o lado do empregador. As políticas públicas são sempre punitivas às empresas.

O empreendedor brasileiro acaba desistindo, quer mais é vender sua firma, aplicar o dinheiro no banco às altas taxas de juros que imperam no País. Fica-se trabalhando para pagar impostos, ter problemas com empregados e pagar juros aos bancos. Desse jeito, qual tempo vou ter para desenvolver produtos, mercados e clientes? É quase unânime, nas reuniões com empresários, a falta de estímulo para poder investir no Brasil.

CC: Até que ponto o próprio empresário e suas entidades são responsáveis por a situação chegar a este ponto?

JRRC: O importante, agora, é ter uma estratégia onde a empresa tenha o seu papel reconhecido pela sociedade. Quem emprega, paga impostos e desenvolve tecnologia são as empresas. Ficar falando em culpa a esta altura do campeonato não resolve. O importante é reconhecer que dificilmente um país com 12 milhões de desempregados e há três anos sem crescer fará a economia rodar e melhorará a perspectiva de vida de todos se não reconhecer a empresa como elo forte dentre os agentes de crescimento e desenvolvimento, geração de renda e melhoria de qualidade de vida. Todo mundo é culpado nessa história, inclusive aqueles empresários que fizeram essas corrupções e trapalhadas ao longo do tempo. Eles contribuíram para que a imagem da empresa seja ruim hoje. O importante, nesse novo país que a gente busca, é valorizar o papel da empresa. Eu acho que se a indústria do Brasil não voltar a crescer, vamos perder mais 10 ou 20 anos.

CC: Demorou a cair a ficha do quanto a atual política econômica é antinacional e favorável ao capital estrangeiro.

JRRC: Essa ficha ainda não caiu não, e vai demorar a cair, até porque os formadores de opinião hoje, Marcos Lisboa, Zeina Latif, Alexandre Schwartsman, esses economistas aí que não sabem nem o que é uma nota fiscal, um chão de fábrica, o que é trabalhar com balcão atrás da loja, ficam lá nas suas agências financeiras ditando regras e mostrando um país que não existe.

Da maneira como isso é mostrado e a opinião pública tem sido formada, essa ficha não cai. Não se tem um diagnóstico perfeito, uma análise na qual cabeças pensantes mostrem também as opiniões contrárias para se chegar ao meio termo e definir políticas públicas adequadas. Hoje há meia dúzia de formadores de opinião todos os dias nos jornais fazendo a cabeça da população e de quem toma decisões em nome dessa sociedade.

Acessível em: http://cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/Mudar-a-politica-de-conteudo-local-e-um-erro-diz-dirigente-da-Fiesp/4/37826