O projeto de lei 131/2015, do senador José Serra (PSDB-SP), que tramita em regime de urgência no Senado e deve ser colocado em votação esta semana, pode transferir para as multinacionais os lucros que o povo brasileiro teria com a exploração dos recursos do pré-sal que, pela legislação atual, destinará 50% dos seus lucros para financiar as áreas de saúde e educação. E, para agravar o quadro, ainda colocar o país sob risco ambiental grave e desnecessário. 
 
Quem alerta é o consultor legislativo da Câmara, Paulo César Ribeiro Lima, especialista em petróleo e defensor da manutenção da Petrobrás como operadora única do regime de partilha do pré-sal. “Com este projeto, perde é o povo brasileiro, a receita social do país, a educação e a saúde. Quem ganha são as multinacionais que irão se apropriar dessa renda que o estado perde, e ainda com alto risco operacional”, afirma.
 
De acordo com o consultor, o regime de partilha aprovado para a exploração do pré-sal já é muito ruim, porque implica em alta lucratividade, investimentos baixos e risco praticamente zero para as multinacionais envolvidas. Entretanto, ele avalia que, com a estatal brasileira como operadora, pelo menos uma boa parte dos lucros fica com o Estado brasileiro, inclusive no fundo Social que destina 50% da sua receita à saúde e educação. 
 
Primeiro, porque o Estado brasileiro possui 47% do capital social da Petrobrás. Portanto, 53% dos lucros da empresa vai para os acionistas, mas o restante fica com a União. Segundo, porque os custos de operação da Petrobrás para o pré-sal são menores do que os de qualquer outra empresa do mundo: US$ 9,1 por barril, contra a média mundial de US$ 15 por barril. Portanto, pelas contas do consultor legislativo, se a Petrobrás não tivesse participado de Libras, o Estado arrecadaria R$ 246 bilhões a menos. “Sem a Petrobrás, o dinheiro do pré-sal vai para as mãos das multinacionais”, esclarece. 
 
Petrobrás como garantia de segurança operacional
 
Paulo César aponta um outro fator importante para a manutenção da Petrobrás como operadora única do pré-sal: a segurança operacional oferecida pela empresa. “A exploração do pré-sal não é para qualquer um. Exige uma perfuração complexa, que irá ultrapassar uma camada de sal. Não é algo nem perto de trivial. Tecnologicamente, para a Petrobrás não tem problema nenhum porque ela já domina a tecnologia, mas com outra empresa, os riscos ambientais são imensos”, alerta. 
 
Ele afirma que não faltam exemplos da inabilidade das demais empresas em operarem camadas profundas. No golfo do México, a multinacional BP, com ampla experiência em perfuração profunda, foi responsável pelo vazamento de óleo que se transformou no maior desastre ambiental dos Estados Unidos. “E lá a BP estava perfurando em uma condição muito menos hostil que a do pré-sal”, ressalta ele. 
 
Na bacia de Campos, foi a Chevron, outra multinacional muito conhecida, que tentou aprofundar a extensão de um poço e causou uma fratura na rocha do entorno. O resultado foi que começou a vazar óleo do fundo do mar. “Nós demos uma sorte danada, porque Deus é brasileiro, e essa fratura não abriu tanto. Se tivesse aberto mais, ia ser pior do que nos Estados Unidos, porque o poço você fecha. Mas aqui ia vazar pelo fundo do mar”, alerta. 
 
Para o especialista, a Petrobrás como operadora é garantia de segurança operacional. “Com outra operadora no pré-sal, é muito grande o risco para o país de que ocorra um acidente ambiental de grandes proporções”, afirma.
 
As falácias sobre a saúde financeira da estatal
 
O PL 131/2015, que tramita em regime de urgência, revoga a participação obrigatória da Petrobrás no regime de partilha do pré-sal, abrindo espaço para a participação de outras multinacionais. A justificativa é que, devido aos recentes escândalos de corrupção, a estatal brasileira acumula uma dívida cinco vezes maior do que seu patrimônio e, por isso, não possui os recursos necessários para investir na exploração do pré-sal. 
 
Paulo César Ribeiro Lima, porém, garante que esta premissa é falaciosa. Segundo ele, a Constituição Federal diz, no seu artigo 20, que o petróleo é um bem da União. E, sendo um bem da União, não pode ser lançado como ativo da Petrobrás antes de ser produzido e estocado. “Ainda que a Petrobrás tenha o direito reconhecido de explorar pelo menos os 46 milhões de barris já descobertos no pré-sal – o que renderia, por baixo, R$ 615 bilhões – a Petrobrás não pode lançar nada disso na sua contabilidade”, informa ele. 
 
Para o consultor, as dívidas e investimentos feitos pela Petrobrás são perfeitamente justificáveis, quando são considerados os recursos que ela têm a explorar. Ele lembra que, há poucos dias, a empresa colocou umas notas globais no mercado e capitou US$ 2,5 bilhões, sendo que a demanda foi de US$ 13 bilhões. “Isso quer dizer que, se a Petrobrás tivesse colocado US$ 13 bilhões, teria vendido essas notas globais todas”, explica. 
 
O modelo predominante no mundo é o estatal
 
Paulo César lembra também que, no mundo, são as operadoras estatais que comandam a exploração de petróleo. De acordo com dados do Banco Mundial de 2010, as estatais têm 90% das reservas provadas e controlam 75% da produção mundial. “Por que nós, que temos este tesouro aqui e uma estatal com capacidade para explorá-lo, vamos colocá-lo nas mãos das multinacionais?”, questiona.
 
O especialista argumenta que até mesmo os Estados Unidos, país tido como altamente liberal, possui amplo controle da produção de petróleo. “Nos Estados Unidos, a exportação de petróleo é proibida. Então, as empresas que lá produzem têm que refinar nos Estados Unidos. E é isso qie cria um mercado próprio e faz com que o preço fique muito mais baixo do que no Brasil. Precisamos acabar com essa ideia de que petróleo é livre-mercado”, afirma.
 
A título de comparação, ele cita também o modelo norueguês, que aumenta a rentabilidade do Estado e permite que o país ostente o maior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do mundo.  “O modelo norueguês não é o de partilha de produção e nem o de concessão. É uma joint venture, uma associação conjunta, um empreendimento conjunto. E na Noruega, ao contrário do Brasil, o Estado norueguês é o grande parceiro da Statoil, que é a Petrobrás de lá”, explica. 
 
Segundo o consultor, a Statoil, assim como a Petrobrás, tem ações em bolsas, mas muito menos do que a Petrobrás: 70% do capital social é do estado Norueguês. Além disso, na Noruega, o Estado pode investir em parceria com a estatal petrolífera, aumentando os seus rendimentos finais. “O Estado põe dinheiro e ganha dinheiro, porque a receita líquida é muito alta na indústria do petróleo. E esse modelo de parceria Estado com a Statoil faz com que a receita petrolífera lá, para o mesmo valor de produção, seja o dobro do que é no Brasil. Se o petróleo da Noruega fosse explorado por multinacionais, ela jamais teria um fundo nesse valor”, compara. 
 
Quem é o inimigo?
 
Paulo César alerta ainda que não são apenas os senadores que apoiam o projeto de José Serra que querem colocam em xeque a existência da estatal brasileira, tida como verdadeiro patrimônio do povo. Segundo ele, a atual diretoria da Petrobrás também tem dado sinais de que participa do movimento entreguista liderado pela direita brasileira. Exemplo seria o próprio plano de investimentos lançado agora pela Petrobrás, que corta a produção em oito unidades operacionais. 
 
“Eu costumo dizer que a maior inimiga da Petrobrás é sua atual diretoria. A empresa não precisava cortar a curva de produção como cortou. E nós precisamos entender que não estamos lutando apenas contra os senadores entreguistas. Este novo plano de investimentos da Petrobrás é criminoso. A luta também tem que ser contra a atual diretoria da Petrobrás, que é entreguista também”, conclui.

Fonte: Carta Maior