Ascensão de novo bloco geopolítico do qual Brasil faz parte não será observada de forma passiva pela Opep+
Historicamente, o controle do preço e da produção é o centro da disputa da indústria de petróleo no mundo. Desde que emergiram como players globais, no pós-Segunda Guerra, os grandes produtores do Oriente Médio e do Norte da África, que formam a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep), têm travado uma guerra com a Rússia e as sete irmãs, petrolíferas localizadas nos grandes polos consumidores (Estados Unidos e Europa).
De um lado, os países produtores buscaram, ao longo do tempo, ampliar sua apropriação da renda petrolífera e aumentar o controle da produção pela estatização de empresas instaladas em seus países. De outro, as companhias dos países consumidores lutaram para reduzir a parcela da renda detida pelos produtores e diversificar suas reservas petrolíferas, a fim de diminuir a influência dos produtores na indústria global de petróleo.
Essa disputa se acentuou nas últimas décadas, à medida que novos players se tornaram grandes produtores de petróleo, principalmente no Oceano Atlântico. A partir dos anos 1980 – após as descobertas de petróleo no Mar do Norte, no litoral brasileiro e no Alaska –, Noruega, Inglaterra, Brasil e Estados Unidos viram sua produção crescer. Mais recentemente, a atividade onshore na Colômbia, a descoberta do pré-sal no Brasil, a exploração das areias betuminosas no Canadá e do shale gas nos EUA consolidaram a posição desses países como grandes produtores globais.
Em 1977, unicamente por conta da produção americana, esses países (Brasil, Canadá, Colômbia, Estados Unidos, Inglaterra e Noruega), doravante denominado América+2, tinham participação de 21% da produção global de petróleo. Essa participação chegou a quase 30% em 1985 e, depois, declinou para próximo de 20% em 2008. Todavia, desde então, observou-se aumento da parcela da produção da América+2 no mundo, chegando a 29% em 2018, o que equivale a uma produção de 27,6 milhões de barris de petróleo por dia.
Isso significa que, agora, não apenas as Sete Irmãs passaram disputar o controle da produção da Opep e Rússia, como também dos “novos produtores” da América+2, incluindo seus governos e suas empresas. Nesse sentido, a “guerra” pelo controle da produção e do preço tem se acirrado, culminando na formação de novos “polos geopolíticos do petróleo”, como o da Opep+.
Formado pelos países da Opep e mais onze produtores liderados por Rússia, México e Oman, a Opep+ é uma espécie de resposta do grande eixo produtor global à América+2 e às Sete Irmãs.
Entre 2014 e 2016, após uma complexa negociação, a Opep+ passou a estabelecer cotas de produção visando regular o preço e impedir ascensão ainda maior da América+2. A queda abrupta do preço e os cortes de produção abaixo do esperado, em 2020, também foram uma espécie de concertação da Opep+ que, entre outros efeitos, impõe grandes dificuldades para os produtores da América+2 por conta de seus custos de produção mais altos que os da Rússia e Arábia Saudita, principalmente.
Essa “guerra”, no entanto, está longe de terminar. A Agência Internacional de Energia, no relatório “Oil 2020: Analysis and forecast to 2025”, lançado recentemente, estima que a produção dos países da América+2 deve subir para 33,4 milhões de barris de petróleo por dia, em 2025, o que representaria cerca de 34% da produção global. A Opep – mantendo o patamar da sua produção –, russos e mexicanos devem representar, juntos, em 2025, cerca de 44% da produção global de petróleo (algo próximo a 43 milhões de barris por dia).
Essa projeção mostra que a América+2 e as Sete Irmãs, cuja origem está nos países desse grupo, podem ganhar força e aumentar a tensão pela disputa da produção e do preço nos próximos cinco anos. Mas a Opep+ não ficará passivamente observando a ascensão desse novo bloco geopolítico.
As disputas entre as reservas petrolíferas devem aumentar, assim como a volatilidade dos preços. Novas fronteiras produtoras ficarão cada vez mais reféns dessas tensões, caso não tentem impor seus interesses nessa disputa. Caso contrário, as ações da indústria de petróleo desses países serão adotadas ao sabor do bloco geopolítico mais próximo ao invés dos seus objetivos estratégicos.
O limiar entre a benção e maldição do ouro negro continuará mais tênue que nunca.
Rodrigo Leão é mestre em Desenvolvimento Econômico pela Unicamp, coordenador técnico do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep) e pesquisador do NEC da Universidade Federal da Bahia.